sábado, 24 de janeiro de 2009

Brincadeira de uma criança

Sempre fui uma garota tímida. Mas uma tímida avançada, impulsiva, ousada, curiosa e criativa quando criança. Minha mãe entendia essa minha timidez como educação, e o resto era coisa de menina, coisa de criança mesmo. Na verdade ela não entendia nada. E na verdade, eu era uma tímida mascarada da simpatia de uma menina. Depois que eu conhecia as coisas, as pessoas e os lugares; de duas coisas uma: ou não queriam me ver mais, ou me queriam eternamente.
Meu mistério e não entendimento como ser começou quando criança; Quando comecei a aprender a observar o mundo.
Não sei dizer se minhas amigas puderam ser felizes com a minha amizade. Eu gostava de brincar com elas. Mas eu gostava mesmo das brincadeiras de meninos. Minha imagem era uma coisa engraçada: joelhos cinza, ralados, corpo esguio, franja no cabelo curto e olhos de curiosa. Gostava do pega-pega, do ‘taco’, da bicicleta, bolinhas de gude, o empinar da pipa e os etc de coisa de menino.
Diante as brincadeiras das meninas, era estranho. Faltava-me energia. Faltava encantamento para com as amigas e aqueles brinquedos que mais pareciam com uns espantalhos em busca da alguma perfeição bem vestidos.
Até bem antes de entrar na escolinha, tive muitos brinquedos. Era uma quantidade mutua, e minha mãe os - guardava rigorosamente numa caixa de papelão especial: Era uma caixa enorme, gigante. E eu vigiava essa caixa como se fosse minha própria sombra. Mas eu logo desanimava, e o desencantamento por aquele mundo da gigante caixa surgia. Eu nunca podia mexer, brincar com eles. Que tédio!
Não sei por quanto tempo dos meus dias de criança eu ficava olhando, vigiando aquela caixa. O coração batia de ansiedade porque o que eu queria mesmo com aquela caixa não era brincar; Conscientemente, eu queria é ser maior que ela. Só isso. Era como uma disputa da minha mente criadora, e aquele monstro de papel “duro”, cheio de monstrinhos no seu interior.
Mas ainda era pequena, e eu não consegui bem o que eu queria.
Não sei onde a caixa foi parar. Mas minha mãe e seu espírito de doação puseram os monstrinhos para fora da caixa, para fora de casa e para fora do meu mundo. É que quando eu podia realmente mexer e brincar com os brinquedos, eu modificava todos eles. Adorava recriar a criação dos monstrinhos, daquelas bonecas e suas derivações que eram estranhas, e mais pareciam ter vindo das historinhas encantadas. Parecia que o que queriam que fôssemos como elas, ou o que deveríamos ser quando crescermos.
Foi a partir desse momento que minha simpatia de menina camuflou-se. Perguntava a todos e para mim mesma por que todas aquelas bonecas eram loiras? Porque eram magras? Por que não existiam bonecas gordas? Por que as bonecas tinham peitos? Por quê? Por quê? Oras, estávamos longe de parecer com qualquer tipo de boneca.
Meu coração nem batia de alegria por tê-las. Era um mundo impalpável. Cheio de preguiça e de perguntas. Modificá-las era o máximo que eu fazia. Era um modo de trazer-las e estar mais próximo da realidade. Mas era pouco, muito pouco.
Como dizia Charles Chaplin: “Nosso cérebro é o melhor brinquedo criado”.
É. Realmente é.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

André

Consegui misteriosamente anteceder o que estava por vir. Uma vez tive um sonho duvidoso e mágico com André: estávamos num show, na verdade saindo de um show. Pegamos uma carona com um amigo, e sentamos no banco de trás. André me abraçava e me beijava espontaneamente. Depois do beijo, eu o - olhava com olhos de menina e olhos de “alegria”. Sem entender o porquê o coração disparava. Ele sentia meu coração e continuávamos a trocadilhar e brincar com nossas mãos. Chovia forte, e os vidros do carro estavam fechados e abafados. Dava para desenhar nos vidros; E assim foi feito: eu desenhava o meu nome, e André simultaneamente desenhava o dele. O desenho terminava com um coração [ S2 ] em volta dos nomes. E o sonho acabara com o carro indo para um buraco sem fim. Só consigo me recordar da escuridão do fim desse sonho.
André foi o sonho.

André era um cara bacana. Bonito e bacana.
Lembro-me com detalhes da primeira vez que eu o – vi. Meus olhos brilharam! O encontro de meus olhos à ele parecia magia. Essa magia temporariamente ficou. Éramos amigos incomuns: Eu era amiga, muito amiga, de um outro menino que era danado de culto; Porém culto para a moda. Eu sempre tentara ser culta para milhões de coisas, mas a música sempre fora meu forte. Esse meu amigo, era mais amigo de André do que eu. Eles falavam a mesma língua, isso quando o assunto era moda. Quando participava da conversa, o negócio era diferente, jogava sempre minhas criticas musicais. Meu amigo tinha “bom” gosto, mas não senso critico. André era quase perfeito. Quase!
André e eu tínhamos muitas coisas em comum. Começamos a “nos - trocar” mais. Íamos sempre almoçar juntos, ou íamos tomar café e fumar um cigarro. Rapidamente nos deparávamos blefando das vidas, dos nossos cotidianos, dos poucos salários, da pouca moda e da música; muita musica! André foi o amigo.
Trocamos alguns álbuns. Descobri que era músico, e ele descobriu que eu entendia bem de música. Recebi um convite irrecusável de André: Ver uma de nossas bandas favoritas juntos. –Por que não? Outros amigos também foram convidados, e também foram ao show. Na verdade, o André ainda era só um pretexto, por que o que eu queria mesmo era o show. Eu queria a liberdade do show. Daquele show. Naquela noite André se manteve mais próximo. Pude conhecer mais de André. Conheci tuas lindas mãos; teus lindos olhos; tua linda boca; e tua linda mente. André foi o show.

Quando estávamos indo embora, tive uma sensação terrível. A de "deja vu". Eu olhava tudo, com os olhos bem abertos; Mordia bem os lábios para me “sentir” acordada, e tinha vontade de rir. O sonho que tive com André me veio à mente. : O carro com vidros fechados e abafados. A conversa no banco de trás. O abraço. O beijo, os nomes e o coração [ s2 ]. André foi real.

Depois daquele show ficamos juntos, nos – trocando. O que tínhamos um pelo outro era encantado. Estávamos construindo um castelo, e o castelo se mostrava cada vez mais. Éramos muito francos um com o outro. André falava comigo, e com sua viola. Um homem que sabe conquistar uma mulher tem sempre um violão. Repetia diversas vezes a mesma canção e sem ao menos pedir-lhe, eu escutava. E só entendi com o tempo por que ele cantava tanta as vezes aquela canção. André foi poeta.

Nossa rotina moderna é mesmo muito arriscada. A profissão me pedia mudança, e foi-me feito sem ter caminho de volta. Tive que deixar André sem companhias para os cafés da manhã, para os almoços, para os cigarros, para a música, para a viola, para os shows, para os passeios no parque, para as bailarinas do parque... Tive que deixar André. Deixei André com um longo abraço, e com lágrimas nos olhos. Dói-me em pensar que o - deixei assim, e que eu me deixei com o resto da carcaça de meu corpo e de meu coração vazio.
A música que André sempre cantava era: Faz parte do meu show [Cazuza]. Inevitável escutar essa canção e não lembrar do sonho, do amigo, do poeta e dos shows. Inevitável não lembrar-me de André. Ainda tenho a primeira carta que André me escreveu e dizia: Você foi e sempre será a melhor parte do meu show!
É André, faz parte desse show.. Você fez parte desse show!