sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Naquela estante

Foi depois de entrar na escolinha do primário, que aprendi sobre dois mundos encantados: o mundo dos livros, e o mundo dos discos.
Meu pai tinha uma estante bacana e naquele tempo já era considerada moderninha. Era uma estante grande atrativa e tinha alguns portas – retratos com retratos históricos. Histórico também era aquele aparelho de televisor. Já estavam lançando modelos de televisores mais sofisticados, mas aquele tubo de madeira me educou muito com os desenhos e os programas raros, que não existem nos aparelhos atuais e modernos.
O que mais me interessava não era a estante moderna, nem os retratos históricos e nem o tubo de madeira. Eram alguns livros, e discos que tinham na estante, e eu não entendia porque eu gostava daqueles livros e discos. A estante era uma área restrita para crianças, e principalmente para mim, pois já tinha fama de recriar ou destruir as ‘coisas’. Meu pai tinha um acervo histórico; e meu pai tinha ciúmes também.
Mas ninguém sabia que eu admirava aquelas coisas que ali estavam sobre a estante. Ficava admirada. Sentava-me no sofá, e ao invés de observar o que passava no televisor de tubo, eu observava todas aquelas coisa que tinham na estante. Meu pai era um cara inteligente!
Sabe aquela coisa que os filhos têm com seus pais de serem, e de os-terem como heróis? Tipo: Meu pai, meu herói. Meu pai tava longe de ser um, e na realidade, era ele quem precisava de um. Nunca me encantei com heróis, reis, e príncipes em cavalos brancos. Só que eu admirava-me com tua inteligência. Só isso. Era isso que eu queria ser. Não queria bonecas, historinhas encantadas e heróis de mentiras. Eu queria ser inteligente!
Comecei então a ser uma espécie de espectadora do meu pai. Queria descobrir como é que ele ficava inteligente. Assistia a tudo. E constantemente eu assistia ao seu “momento”: Ligava seu vinil de madeira, escolhia algum disco, um livro, e esticava suas pernas no sofá, sempre acompanhado de seu cinzero de vidro e de seu cigarro de filtro branco. Eu observava tudo. Mantia-me fixa no olhar para não perder nada e saber enfim no que ele estava se transformando.E foi assim que descobri o mundo: Era assim que ele ficava inteligente. Com as suas músicas e com seus livros.
Sempre que a sala ficava longe do ‘gigantes brigalhões’, eu curiava aqueles mundos. Subia na estante, e caçava algum livro. Abria logo todos, pois minha ansiedade para saber o que tinha neles era absurda. Era mágica. E com olhos de menina, me debruçava naqueles gigantes livros para minhas mãos. Que fascínio era cada página que lia rapidamente. Já com a coleção de vinil, eu retirava cada um com cuidado. Tinha umas capas legais, os homens e as mulheres usavam os cortes de cabelos diferentes, e dentro das capas era sempre uma caixinha de surpresa, sempre tinha uma foto (pôster) que era maior que eu. Eu curiava cuidadosamente e principalmente nos vinis que era de um moço bonito, por que meu pai dizia que ele era rei.
Eu achando que meu pai precisava de um herói, e ele já tinha um rei.
Com o passar do tempo fui cautelosamente apresentada aos livros e a este rei. Ao músico-rei. Nunca entendi tal nomenclatura, mas é realmente merecido. Meu pai era mesmo inteligente e esperto, me escondeu tudo que eu queria ter e que eu queria ser e ter, pois procuro até hoje cheia de fantasmas, a minha inteligência e a coroa do rei.