domingo, 27 de junho de 2010

Como as rochas

Ainda é estranho olhar para a minha direita e não vê-lo ao meu lado. Ainda é estranho embarcar naquelas viagens diárias e não olhar-te aos olhos, simplesmente olhar-te, como se ainda fosse novidade para os meus olhos nus. Era assim que fazia todos os dias... Olhava-o como se fosse novo, como se fosse a primeira vez olhando-o, sentindo-o, descobrindo teus olhos aos meus pouco a pouco, lentamente, entrando e tocando toda a minha alma. Ainda é estranho não ter-te por perto. Ainda é estranho não ser feliz.
Por que depois de tocar-te, não sei ainda não querer outra coisa. Talvez por que nunca houvera outra coisa antes de ti. Talvez por que nunca houvera nem a ti e nem a mim. Por que depois de expor todo meu desejo por ti naquela noite fria e de tocar aos teus lábios com minha boca suave e com as pontas de meus dedos, eu tenha morrido. É, morri. Morri ali, e nasci em seguida quando apertara com força tua mão na minha, e apoiara a mão direita em minha nuca, atrelando seus dedos aos meus cabelos. Morria e nascia a cada segundo ali. Segurava minha coxa com força e carinho, e eu nascia cheia do arrepio por todo corpo e alma. E nascia com o teu gosto em minha boca, e nascia ao abrir meus olhos e ver-te sorrindo. Belamente sorrindo. Criadora de uma vida mágica fazia daquele momento o como se fosse o último da vida, e principalmente como se fosse o primeiro. O coração acelerado, minhas mãos se perdiam em ti, e eu morria, morria e nascia cada vez mais cheia da vida, cheia do tudo e cheia do nada. Não sei mesmo querer outra coisa, a não ser nascer novamente em teus lábios, com tuas mãos em meu corpo. E nascer em ti, aos teus olhos, a tua palavra, a tua vida. Descobri como é caminhar descobrindo do mundo, sem medo de continuar andando, sem medo de cair, sem olhar para os lados, segurando tua mão. Descobri como é bom amar sem saber que se ama, e como é bom saber que se é amado quando se imagina que já o ama. Como é bom encantar. Como é bom surpreender, esquecer do desigual desse mundo, das armadilhas da mídia, da propaganda, do dinheiro, do governo; esquecer dos comentários medíocres e impensantes de bares, de conversas de banheiros, de futebol, de sorrisos e olhares forçados; como é bom nascer. Aprender com a simplicidade de um olhar que a vida... É a vida. Oras, “é a vida”. E morre ela toda surpreendida, encabulada e boquiaberta da própria vida. É assim, “é a vida”, ou você acredita mesmo que o príncipe por que é belo, o fará sempre feliz. Morri naquele domingo brilhante de parque ensolarado; Morri naquele café no qual eu chorava e você sorria, sádico, belo e simplesmente sorria. Morri quando o vi a última vez e não tive coragem de olhar-te mais aos olhos, e de aproximar meu corpo próximo ao teu. Morri quando minhas supostas culpas batiam a porta da saudade, e passava a tarde tentando ouvir tua voz ao telefone; Morri quando quisera morrer para mim. Foi assim: você ia, e eu não queria; você queria e eu não ia. “É a vida”, e ainda torna-se estranho resenhar trechos de meus possíveis sentimentos por ti, tão admirável e tão frustrado como esses sentimentos postos. Como aquela música que rolava de fundo enquanto você ouvia comigo, e eu ao seu lado, próximo aos seus ombros, fingia que dormia, só para ficar sentindo teu cheiro ao meu modo, como essa música ainda flutua à minha alma.
Ainda é estranho acreditar que sinto o teu cheiro tão teu, que ainda olhas-me aos cantos desse mundo que gira, e gira, e parece não sair, não ir para canto algum. Ainda é estranho ter a caixa que preparei para ti, onde tentei por todas as formas entregar-te, mostrar-te que fosse ao menos, mas você... Já se havia ido, havia-se o querer morrer. Eu morri, quando tuas palavras vieram fortes em tua carta, com palavras que nunca imaginava que pudesse ler vindas de tu. Eu morri. Tantas de mim que morreram e nasceram, e nasceram e morreram como quaisquer outras bonecas russas, sempre uma dentro da outra desde quando o conheci e desde quando o vi. E desde quando e quando é estranho acreditar que o mundo ainda é mundo nessas tantas mortes causadas. E sei bem que não só a mim morre. Todos morrem. É estranho acreditar que não há verdadeira vida, pois bem, te segura bem forte o coração, pois digo numa reza sem calmarias: Não há verdadeira vida. Enquanto acreditarmos que só o que se tem é bom e útil, não há vida. Enquanto acreditarmos que só o que se ver, o que se toque, o que se sente, existe, não saberemos o que é amar. Não haverá vida; não haverá amor. Amar é. Somente isso. Por quantas mortes ou nascenças que se tenha, amar simplesmente é. Diferente da vida, que não é, ela naturalmente vai-se, a qualquer canto estranho do mundo ou das almas, ou... Mas a vida vai-se... O amor fica; ele não é fase, ele na passa, nem mesmo como uva e nem mesmo de graça. Mas falo de amor verdadeiro, amor que não se percebe que se ama, e que quando menos imagina, está lá, todo sendo o amor: amando... sem receios ou preciosismos.
Foi assim também com as músicas e meus cantos. Saia saltitando, esguia ao meu modo de ser, com o fone entrelaçado ao meu ouvido, soando as canções, as músicas, as melodias, letras, e ia-se cantarolando a qualquer modo, simplesmente amando e amando, e cantando, e como numa bela armadilha da música, da vida e ate mesmo do amor, por que é assim o amor age, com surpresa e inocência e quando tentei-me ficar sem os cantos e as música por um dia, não sabia como agir, não sabia como ser; simplesmente ser eu já não sabia. Foi assim também com você, que quando eu menos esperava, estavas já de alma entregues a ti, de coração e alma, de alma e de coração, por que acreditava que realmente valia a pena. Mas valia a pena, valia qualquer pena que fosse por que o que sentia por ti, era o que sentia por mim. Amor quase sempre é assim: agente sempre ama o que já amamos a nós mesmos. Mas eu, com tantas de mim, morri, sem direito a nascer novamente. Somente morri, ali, ajoelhada ao chão, com o pranto seguindo sem direção qualquer, sem rumo, sem força ou fraqueza que seja, somente morri, sem poder nascer novamente.
Ainda é estranho acreditar que há amor por ti em mim, e de mim por ti. Não é esperança, não é ilusão; não é música, nem poesia, nem nada para somente aliviar o coração: depois de tantas mortes e nascimentos, é que se descobre que as ausências diminui os amores medíocres, e mantém somente os grandes. Somente os grandes; soa estranho ainda, mas amar é. Eu amo-lhes.