sábado, 18 de julho de 2009

A testa franzida

A testa franzida era sinal de preocupação.
Disperso, começa-lhe o comentário da vida. Há toda uma apresentação, tanto para o discurso, tanto para a vestimenta, e ambos começam um tanto formal.
Formalidade que se perdera durante o percurso e que tivera seu retorno quando menos esperava e menos precisava.
Excesso de formalidade: esse fora um de seus principais temas que chamara a atenção para aquela moça. A moça, que gostava e valorizava as coisas mais diversas da vida. Tinha dons para admirar a arte: escrita, música e desenho eram seus fortes. Muitos achavam muitas vezes que ela era sábia, que era ela misteriosa, que era diferente. Que era estranha ou doida demais no seu mundinho. Mas muitos dos que achava, pouco quiseram saber algum por que, ou e o que realmente era. Era pensadora. Filosofa podemos dizer, e sempre dizia: - Eu leio a vida.
Carregava sempre seus livros. E para dar-lhe maia atenção absoluta, a música contemplava a vida da moça com seu eletrônico que carregava para todos os cantos. E toda vez que tinha a companhia dele, pensava: economizei baterias.
Não se sabe o porquê ele se aproximara tão intensamente àquela menina. Ele, nada tinha a ver com ela. Nem a amizade naquele momento tinha em comum. A única coisa que semelhava ambos era o vazio. Os dois ali, vivendo exatamente o mesmo vazio. O mesmo momento de invalidez pelas coisas e para as coisas.
Era difícil defini-lo ou desenhá-lo. Nem ela ao menos sabia por qual natureza a sua pertencia. Mas ele... Ele era comum. Já tinha vivido um pouco da vida de outra forma. Ele: tinha a testa franzida.
Rapaz jovem, moderno, falava bem de si mesmo. Tinha o corpo meio atlético, os braços engrossados pelo excesso de peso da vida, e os olhos por de trás das lentes de teus óculos de grau. Ela via e criava imagens diante as conversas que começaram a acontecer sucessivamente. Ela imaginava todas as histórias dele, as conversas, as piadas, todos os seus “porém” atrás de suas lentes.
O rapaz, com o tempo deixou sua presença constante. Era como se ambos não conseguissem mais se separar e viviam juntos a cada ida, a cada volta, a cada olhar, a cada pensamento. A cada momento. Era como se ambos se pertencessem um ao outro. Era como se fosse.
Bem que ela tentou dizer-lhes que era esperta e já tinha percebido algumas de suas falhas: sua testa franzida a fazia perceber que ele era alguém que se preocupava demais com os pareceres aleatórios. Mas o respeitava, por que ele era natural com ela.
Naturalidade é algo que conquista quando se está distraído.
Foi num dia chuvoso que à volta para casa e a percepção daquela moça foi diferente: Em meio à ritual despedida com o beijo no rosto, o rapaz erra o caminho. E de propósito, segura sua cintura para não escapar. Num susto só, a vida por um instante pára. Ela podia ver a cena, como se fosse a própria espectadora: a boca dele encosta-se à dela, ela em desordem, se equilibra em seus sapatos de salto alto preto, segurando os seus livros e seu caderno tenta rapidamente entender; E logo entende: O guarda chuva vermelho que protegia da chuva escorrega das mãos que não sabem mais onde segurar. E o beijo. O beijo. Sentia como se a vida por surpresa fosse lhe retirar a alma. Mas as mãos daquele rapaz a fazia sentir que estava ali, e com todas as almas possíveis. Isso por que sempre achara que tivera somente uma.
Enquanto a chuva molhava seus rostos, o beijo acontecia. O beijo. Nem teve muito tempo de pensar, era somente o frio na barriga que sentia e sentia que era bom. Como era bom.
E depois do beijo. E depois do beijo, com um sorriso interrogativo segue seu caminho e se questiona: por que ele beijou-me? Por que o deixei beijá-lo e o beijei? Era simples. Era tão simples colocar para fora o que pensava, sentia ou sei lá. Sei lá. Podemos chamar de impulso. Mas complicar é mais simples ainda. E depois do beijo, continuou ele a seus afazeres e ela aos seus com a interrogação exposta.
Não sabia bem ela como deveria reagir com ele no dia seguinte. Será que haveria dia seguinte? Será que ele gostava dela? Será que ela gostava dele? Será que aquele era um simples beijo, ou era um beijo sério? Será que ele brincava com ela? Será que ele confundiu tudo e queria dividir essa confusão? Será? Ou será que não era nada disso.
Não era nada disso.
A companhia que os dois se faziam havia ficado mais interessante. Vieram convites de saídas; trocas de mensagens; várias outras despedidas. Veio-se então a expectativa. Mesmo sem compreender ela dava de sua vida de uma forma natural. Foi muito rápida e intensa a forma de vida que começaram a levar.
Ele logo deixou a testa franzida de lado, e ela mostrava um rosto menos sério. Economizava agora todos os dias, as suas baterias que usava em seu eletrônico. Foi intenso. Intenso. Sentiam os dois, sede por ‘aqueles’ mundo. Mas foi temporário.
Tudo que ela, a moça dos livros e da curiosidade pra vida queria era saber o que ele queria; o que ele sentia; qual eram suas intenções. O seu mundo é moderninho, mas não entendia por que num dia eles eram amigos comuns, num outro ele a olha profundo e num outro ele a beija e em num outro ele segura sua mão ao atravessar a rua; a chama para sair, e num outro dia a deixa esperando.

Mundo moderno.

E num piscar dos olhos seu eletrônico volta a ser sua precisa companhia. E num piscar dos olhos a testa dele volta a ser franzida. E num piscar dos olhos, voltam-lhes a formalidade: O vazio.
Boquiaberta ela ficou; E boquiaberta ainda está. Querendo simplesmente entender o que deve ser entendido, pois seus “bons dias” não lhe dizem nada. Seus olhares também não lhe dizem nada.
Boquiaberta, com seu cigarro aceso, ela lê seus livros: Lê a vida. E ele, simplesmente mantém a testa franzida.