domingo, 11 de janeiro de 2009

Morte precoce

Tinha maquiagem borrada, e os olhos úmidos. Ainda não tinha os hábitos de um fumante, e o meu observar era diferente. Apenas era.
Tive somente uma paixão em minha vida. Bem que eu sempre me duvidei a me dedicar a ela. Poderia até deixar meu coração acelerado, batendo de uma maneira que nunca entendi e sangrando, mas o orgulho para o meu determinismo era mantido. A primeira paixão veio cedo, na infância, na meninice mesmo. E através dos meus erros graves de menina independente posso mencionar que eu pude amar. É claro que depois de muito tempo, de muitos anos tive essa consciência em minha vida.
Os cabelos já eram cumpridos, porém encaracolados em suas pontas, o corpo de menina que ainda não entendia suas transformações, e uma voz supostamente doce. A definição que eu recebera desse meu amor era de deixar tonta: - Uma boneca! Parece uma boneca! Branquinha, magrinha e dos cabelos cumpridos e encaracolados nas pontas. Eu sinto que estou bem longe de ser a boneca que me foi definida, pois há um rosto muito mais sério para dar.
Não consigo até hoje defini-lo. Nunca fui fã de rótulos. Não me cabe rotular nada. E foi assim, foi sem rótulo algum que comecei a sentir. Foi no fim de uma aula minha depois do colégio, que conheci tua boca e o desenho de teu rosto. Estávamos num canto, de paredes azul, abraçados, sentindo um o gosto do outro e foi a partir dali que comecei a fazer minha vida. Depois de ter conhecido tua boca não quis mais largar, perder e deixá-la solta por ai.Comecei a gostar de observá-lo. E gostava de observá-lo com suas calças vermelhas e sua boina na cabeça. Aquela pela branca, que parecia ter sido cuidadosamente pintada, o sorriso singelo e seus olhos claros. Até durante sua internação de um acidente gostava de observá-lo, e sempre manuseava meu olhar da mesma maneira. É que os olhos dele me deixavam mais forte, e em troca, eu me dava por inteira a ele, apesar dele nunca ter entendido minha atenção.
Eu era muito menina e não entendia, como ainda não entendo por que estou viva.
Todas as vezes que eu ia ao seu encontro, meu coração batia diferente. A frase de uma música me desenhava muito bem: “Meu coração, não sei por que, bate feliz, quando te vê”. E eu sentia meu coração acelerado, e sempre parecia que ele queria sair de mim, e ir para os seus braços; parecia que meu coração quem queria senti-lo, e não eu. É que eu também não sabia ser!
A criatividade das coisas para mim são sempre bem vindas. Depois da criação delas, eu nada mais tenho a ver com a validez delas. E foi assim, ‘o anel que me destes, era de vidro e se quebrou’. Foi quando eu não observava, quando eu estava distraída que duvidei da vida. Engolimos seco o orgulho um do outro para assumir verdadeiramente o que sentíamos. E com pedras ruins, e o coração enfraquecido, o seu orgulho e o meu determinismo de menina, fez aquele amor morrer. Bem que eu nem sabia por que estava viva na minha meninice, mas foi nela que descobri como se matava alguém.
E a alegria que eu tinha toda vez que eu olhava para as estrelas tombaram-se. Mesmo que eu não quisesse, era inevitável não sentir o coração doer, não lembrar sua voz, de sua pele, do desenho de teu rosto, de sua boca, de suas mãos, de seu corpo. Era inevitável. Ele foi reformulando minha vida. Eu tão menina, tão boneca, depois de morta: Doía... Dói.
A primeira paixão veio cedo, na infância mesmo e foi na infância que descobri boquiaberta, com cara de espantalho e com o coração meu; todo meu, sobre a vida dos sentimentos: Quando a paixão e o amor é grande demais torna-se inútil.

Show da praça

Jamais me esquecerei da aventura que tive numa famosa praça do centro de São Paulo.
Quando eu era pequena, na verdade ainda na adolescência, e ainda com os cabelos arruivados pela tinta que usei durante alguns anos, fazia questão de deixá-los desalinhados, sem penteá-los ou usava as fiéis tranças. Eu nem sabia fazer belas tranças e não me arrependo de ainda não saber fazê-las. Ainda que pálida, e com uma maquiagem tentando disfarçar minha meninice, pintava os olhos como qualquer outra menina pintava: às pressas.
Havia uma amiga minha, embora fosse aparentemente diferente de mim por sua altura e estrutura, era muito parecida comigo. E essa descoberta apareceu bem antes de nos batizamos como amigas. Era engraçado ver o seu modo de falar, de agir, de olhar e de pensar. É como se eu estivesse conversando comigo mesma. Resolvemos por então acompanhar a vida uma da outra, como se fosse a própria vida. Foi a primeira vez que fui a essa praça, eu ainda não conhecia pessoalmente, só sabia que ela era interligada em três pontos ‘principais’ do centro da cidade, com três lindas igrejas. E foi num domingo ensolarado que essa minha amiga resolvemos ir à Sé, Praça da Sé. É claro que precisávamos de um motivo para ir numa praça que já era muito conhecida por abrigar em massa os mendigos da cidade e por ser o alvo perfeito para ladrõezinhos de moças e senhoras: Um show; um espetáculo em praça. Naquele domingo ensolarado haveria um show ao ar livre de uma banda da década de 80, que fez sucesso com o tal de rock’ in roll. E eu e minha amiga, com seus dezesseis anos de idade sempre acreditamos que esse rock’ in roll, principalmente brasileiro era indispensável. E é!
Tão milagroso foi o efeito do encontro de meus olhos com a tal praça e aquela imensa catedral. Boquiaberta, assistia tudo. Observava tudo, cada cena. E Cada cena era como as cenas dos filmes antigos que ainda eram preto e branco.
Com aquelas ruas mal feitas e tortas, consegui rapidamente esquecer-se das ‘vidas expostas’, que certamente deveriam estar entretidos com outro tipo de vida exposta: o palco, a banda e o rock’ in roll.
Estávamos acompanhadas por um grupo de amigos que era do colégio que estudávamos. Tratava-se apenas de um show, longe dos cadernos, e dos livros. Tratava-se apenas disso. Mas meu coração se acelerava, e eu ficava ruge, escondendo a todos que ainda não conhecia a terra que estava pisando.
Ainda tento descobrir por que esse domingo ensolarado foi tão especial. Era uma alegria única, como cada livro já lido, e depois de alguns drinques ingeridos, aceitei humildemente o uso daqueles banheiros moveis que a produção do espetáculo coloca em qualquer evento. Era como esmola mesmo, e minha tão parecida comigo amiga, me aguardando no uso do móvel, começa desesperadamente a empurrar e agitar a casinha móvel. Quando sai da casinha móvel, vejo minha amiga desesperada, louca, empurrando a porta da casinha ao lado da que eu estava. Desencantada, ela me questiona porque eu estava nessa casinha, e não na outra? Mas eu era uma simples menina, para perguntas simples de uma menina também simples.
Os drinques causavam efeitos impiedosos e cair na gargalhada, foi o mais obvio para nossa vida infantil. A alegria dos outros me espantava, a nossa não.
A porta da casinha que havia levado uns empurrões foi aberta. Paramos de rir imediatamente, e meu coração também. Transformei-me num palhaço pensativo. Minha amiga sem fôlego, sai correndo, correndo. Como boa amiga, fui atrás dela. Nossa alegria deveria espantar os outros. E só horas depois fui entender a correria. A minha sede e fome de mundo, de mudar o mundo, de mudar aquela praça, vinha a êxtase. Mas talvez, eu ainda fosse pequena demais, e depressa me agarrava a minha amiga.
Não entendia nada das coisas que via. Nunca quis confessar das minhas aflições. Enquanto o gosto daquela praça se instalava em mim, eu não sabia o que fazer e não saberia dizer por quê. Na minha boca já tinha o gosto da praça, tinha o gosto amargo e doce da minha inocência, tinha o gosto dos cigarros, o gosto do vinho, do álcool.
Perplexo e ensangüentado meu coração estava: vi que meu namoradinho abraçava outra. Só porque eu estava gostado do docinho dele. É claro que nunca acreditei em milagres, eu era pequena, mas as historias de príncipes e fadas nunca me fascinaram. Com cuidado terminei por deixar me esvair àqueles drinques, que já me deixava encolhida. Eu observava como minha amiga me acolhia. Envergonhada via sobre seus ombros o show da praça, não era tão mal assim: aquele colo sabia mesmo me dar mais alegria.
Eu no meu alivio, não deixei minha criança em galhos. A serpentina do show mais parecia com um carnaval, faltava só o confete. Como se as ruas tortas e a praça fosse explicar e narrar algo. Depois do confete de mentira, impossível envergonhar-se da meninice e inocência descendo, saltitando aquelas ruas tortas. O domingo ensolarado daquela praça deixou o gosto de minha amiga e da pamonha devorada pós espetáculo. Se aquela praça pudesse contar algum espetáculo já visto, pediria para ela contar a historia do palhaço pensativo e sem bochechas vermelhas.