domingo, 11 de janeiro de 2009

Show da praça

Jamais me esquecerei da aventura que tive numa famosa praça do centro de São Paulo.
Quando eu era pequena, na verdade ainda na adolescência, e ainda com os cabelos arruivados pela tinta que usei durante alguns anos, fazia questão de deixá-los desalinhados, sem penteá-los ou usava as fiéis tranças. Eu nem sabia fazer belas tranças e não me arrependo de ainda não saber fazê-las. Ainda que pálida, e com uma maquiagem tentando disfarçar minha meninice, pintava os olhos como qualquer outra menina pintava: às pressas.
Havia uma amiga minha, embora fosse aparentemente diferente de mim por sua altura e estrutura, era muito parecida comigo. E essa descoberta apareceu bem antes de nos batizamos como amigas. Era engraçado ver o seu modo de falar, de agir, de olhar e de pensar. É como se eu estivesse conversando comigo mesma. Resolvemos por então acompanhar a vida uma da outra, como se fosse a própria vida. Foi a primeira vez que fui a essa praça, eu ainda não conhecia pessoalmente, só sabia que ela era interligada em três pontos ‘principais’ do centro da cidade, com três lindas igrejas. E foi num domingo ensolarado que essa minha amiga resolvemos ir à Sé, Praça da Sé. É claro que precisávamos de um motivo para ir numa praça que já era muito conhecida por abrigar em massa os mendigos da cidade e por ser o alvo perfeito para ladrõezinhos de moças e senhoras: Um show; um espetáculo em praça. Naquele domingo ensolarado haveria um show ao ar livre de uma banda da década de 80, que fez sucesso com o tal de rock’ in roll. E eu e minha amiga, com seus dezesseis anos de idade sempre acreditamos que esse rock’ in roll, principalmente brasileiro era indispensável. E é!
Tão milagroso foi o efeito do encontro de meus olhos com a tal praça e aquela imensa catedral. Boquiaberta, assistia tudo. Observava tudo, cada cena. E Cada cena era como as cenas dos filmes antigos que ainda eram preto e branco.
Com aquelas ruas mal feitas e tortas, consegui rapidamente esquecer-se das ‘vidas expostas’, que certamente deveriam estar entretidos com outro tipo de vida exposta: o palco, a banda e o rock’ in roll.
Estávamos acompanhadas por um grupo de amigos que era do colégio que estudávamos. Tratava-se apenas de um show, longe dos cadernos, e dos livros. Tratava-se apenas disso. Mas meu coração se acelerava, e eu ficava ruge, escondendo a todos que ainda não conhecia a terra que estava pisando.
Ainda tento descobrir por que esse domingo ensolarado foi tão especial. Era uma alegria única, como cada livro já lido, e depois de alguns drinques ingeridos, aceitei humildemente o uso daqueles banheiros moveis que a produção do espetáculo coloca em qualquer evento. Era como esmola mesmo, e minha tão parecida comigo amiga, me aguardando no uso do móvel, começa desesperadamente a empurrar e agitar a casinha móvel. Quando sai da casinha móvel, vejo minha amiga desesperada, louca, empurrando a porta da casinha ao lado da que eu estava. Desencantada, ela me questiona porque eu estava nessa casinha, e não na outra? Mas eu era uma simples menina, para perguntas simples de uma menina também simples.
Os drinques causavam efeitos impiedosos e cair na gargalhada, foi o mais obvio para nossa vida infantil. A alegria dos outros me espantava, a nossa não.
A porta da casinha que havia levado uns empurrões foi aberta. Paramos de rir imediatamente, e meu coração também. Transformei-me num palhaço pensativo. Minha amiga sem fôlego, sai correndo, correndo. Como boa amiga, fui atrás dela. Nossa alegria deveria espantar os outros. E só horas depois fui entender a correria. A minha sede e fome de mundo, de mudar o mundo, de mudar aquela praça, vinha a êxtase. Mas talvez, eu ainda fosse pequena demais, e depressa me agarrava a minha amiga.
Não entendia nada das coisas que via. Nunca quis confessar das minhas aflições. Enquanto o gosto daquela praça se instalava em mim, eu não sabia o que fazer e não saberia dizer por quê. Na minha boca já tinha o gosto da praça, tinha o gosto amargo e doce da minha inocência, tinha o gosto dos cigarros, o gosto do vinho, do álcool.
Perplexo e ensangüentado meu coração estava: vi que meu namoradinho abraçava outra. Só porque eu estava gostado do docinho dele. É claro que nunca acreditei em milagres, eu era pequena, mas as historias de príncipes e fadas nunca me fascinaram. Com cuidado terminei por deixar me esvair àqueles drinques, que já me deixava encolhida. Eu observava como minha amiga me acolhia. Envergonhada via sobre seus ombros o show da praça, não era tão mal assim: aquele colo sabia mesmo me dar mais alegria.
Eu no meu alivio, não deixei minha criança em galhos. A serpentina do show mais parecia com um carnaval, faltava só o confete. Como se as ruas tortas e a praça fosse explicar e narrar algo. Depois do confete de mentira, impossível envergonhar-se da meninice e inocência descendo, saltitando aquelas ruas tortas. O domingo ensolarado daquela praça deixou o gosto de minha amiga e da pamonha devorada pós espetáculo. Se aquela praça pudesse contar algum espetáculo já visto, pediria para ela contar a historia do palhaço pensativo e sem bochechas vermelhas.

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