quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Paraíso

1997: A política já era escassa e mal criada bem de antes. Já não se faziam músicas boas. Tudo já era muito “comercial”, e a tecnologia já vinha mostrando as caras para a destruição do mundo.
Morava no quase interior de São Paulo. Era uma cidade linda: Ruas retas, casas patrimoniais bem feitas. Na verdade “sonhos” bem feitos, e ainda havia um shopping e um lindo e imenso parque de vista para frente de casa.
Gostava do trajeto que eu e Lucas fazíamos para ir para escola; Do caminho que fazíamos para ir ao parque; E quase nunca, do caminho que fazíamos para ir ao supermercado e para o shopping.
Naquele tempo criança, ainda era criança. Não vivia para o consumismo.
Lucas parecia anjo: Pele clara, olhos claros, cabelos claros. Mas não era, era o contrário. Ele mandava bem nos pipas, e arranjava muitas brigas por causa deles. Nunca achei graça brigar por coisas materiais. Mas meninos insistem em ter precocemente um pouco do marxismo e da brutalidade de um adulto.
Morava num lugar que se chamava Paraíso. Bem que às vezes parecia estar num, cheio de verdes, de flores, de cachoeirinhas, de ruas retas e de anjos. Mas não estava.
Não é normal uma criança ter pensamentos demais. O normal é ser naturalmente criança. Mas era muita ‘criatividade’ para uma menina só.
Foi por duas vezes que tive pensamentos de “coisas estranhas” ainda criança. A primeira foi ao ver meu pai num momento de desafeto com minha mãe: ele jogava uma inchada nela [!?]. E eu, tão criança, tão nada, assistia a tudo. Na verdade, minha mãe foi o meu herói nesse momento: A inchada era para ser pega em mim.
O segundo momento de pensamentos de “coisas estranhas” foi à mudança. Foi quando mudei de casa, mudei de lar, de amigos, de vizinhos, e de escola. A escola já era a quinta vez: - O que já era normal esse tipo de mudança.
Mudei de cidade.
Fui submetida a trocar aquelas ruas reta, as casas de sonhadores, o parque, os verdes, as flores, os rituais de molhar os pés nas cachoeirinhas com Lucas, os caminhos que fazíamos para todos os cantos por um lugar desconhecido: As ruas já não eram tão retas. Eram cheias de muitas subidas, de muitas descidas, com muitas escadas. Com muitas casas tortas e escadas tortas a qualquer canto. Sem parque de vista da janela, sem verdes, sem casas sonhadoras e sem anjos. Sem Lucas.
Troquei a casa grande que vivíamos e que eu conhecera a cada canto detalhadamente, por uma casa pequena, miúda, compacta, que eu nunca achava nada, e que eu desconhecia tudo. Inclusive meu espelho.
Comecei a me transformar numa espécie desconhecida.
Depois de ir embora de onde eu fora criada, a vida havia ficado sem graça. Eu sentia tanta falta. Sentia falta de tudo. Sentia falta de tudo que eu tinha! Mas eu era apenas uma criança, eu era nada e eu não tinha nada.
Depois de meu pai ‘nos - deixar’, de eu deixar o lugar belo que morava e fora criada, e de deixar Lucas; comecei a entender a vida. E tudo aquilo que passava em minha mente em forma de pensamentos estranhos começaram a ser entendidos: Nem tudo é como um paraíso. O Paraíso é como uma promessa maluca: tão curto como um sonho bom.
As mudanças são boas, necessárias e fundamentais, mas a saudade mata.


Saudades do Bairro Paraíso.

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